Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Contradições e identidades em discursos tão diferentes


"Todos nós somos homens que se recusaram a ser bobos, que se recusaram a ser marionetes que dançam num cordel puxados pelos homens que estão no alto." (Mario Puzo, "O chefão", p.307)


Fim das férias e delas pude recolher algumas curiosidades. Dessa vez preferi viajar para curtir minhas dívidas em outros ares. Muita praia, sol, o carinho da patroa e aquela leiturazinha para relaxar. Das dívidas, só consegui pagar uma: a que tinha com Mario Puzo. Pois é, finalmente li o seu clássico livro que deu origem à saga cinematográfica de “O Poderoso Chefão”.


Inevitavelmente, acabei analisando o discurso e a prática dos Corleone, que me pareceram, em princípio, contraditórios, mas, no fundo, escondiam uma lógica bastante coerente e conveniente para a Família. Recusando-se a ser mais um tolo imigrante a dançar a música tocada pelos figurões da sociedade, o Padrinho impôs a sua força baseando-se no clientelismo, na privatização das instituições legais pelo suborno e na imposição das armas. E, se o Padrinho era um amigo valioso e leal, os afilhados jamais poderiam recusar a um pedido seu. Assim, para eles, estão corrigidas as injustiças dessa sociedade enfim.


Apesar dessa aparente negação da ordem social dominante, curiosamente o que Vito e Michael Corleone desejavam mesmo era tirar a família da ilegalidade e ver seus filhos fazendo parte da grande família comum da sociedade, sendo médicos, advogados, políticos etc. É claro que esses seriam lugares privilegiados e estariam sob controle rígido da Família. Ora a contradição está justamente aí: afinal, a sociedade presta ou não presta? Ela é elemento de repulsa ou objeto de desejo? Os Corleone, então, não queriam o fim da (des)ordem social, porque isso era o que garantia o seu poder. O que desejavam de fato era um reposicionamento nessa mesma sociedade. Ou seja, queriam estar no topo e tocar a música para os outros dançarem.


E enquanto eu construía esse raciocínio na praia, um hippie interrompeu minha leitura oferecendo seus artesanatos para o meu consumo. Ainda voando em pensamentos, fiquei diante de uma nova contradição: aquele indivíduo, que decidiu se libertar completamente das amarras dessa nossa sociedade capitalista, resolveu transformar a estética do seu modo de vida em mercadoria e comercializá-la. Afinal, essa sociedade lhe serve ou não? Sua prática representa uma desconstrução do paradigma social vigente ou é a uma forma de realocação nessa mesma sociedade?... Tem que pensar... Ah! Chega! Fui dar um mergulho pra esfriar a cabeça! Eu estava de férias, poxa!


Márcio Hilário

29-01-2011

4 comentários:

  1. Férias são férias, mas é difícil não parar um pouco pra pensar. Quando se tem o hábito, é quase impossível... Pois é, até hoje me falam pra ver esse clássico, mas não vi. Tá na lista de espera, por enquanto ;)

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  2. Lembrei de quando estava na praia e um hippie apareceu com artesanatos.Um em especial magnifico. Poucas jóias são tão bonitas.
    Quando ele disse que qualquer trocado do meu bolso servia, tive a sensação de uma situação injusta. Poderia cobrar de 35 a 50 reais fácil.
    Nao suportei. Me recusei a comprar se não pelo preço que ele merecia. Ainda que, 'livre das amarras da sociedade do capitalismo',ele não quisesse.
    ...
    Fiquei presa.
    Rs'

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  3. Eu estava mesmo curiosa pra saber qual era a relação que vc havia feito entre Itaúnas e O Chefão! Gostei muito do texto, amor. Beijos. PS: tem que penxar..... hahahahahaha

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  4. Nem me desculpo por ter tirado a paz das suas férias. Como você mesmo disse, trantando-se de Vito Corleone, foi uma proposta que você não pode recusar. Estou morrendo de vontade de ler o livro e pretendo fazê-lo o mais rápido possível. (Ps. Excelente texto por sinal :D).

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