Quando eu era pequeno, acreditava seriamente que a expressão “Guerra de Canudos” fazia referência a algum episódio ocorrido numa lanchonete estilo fast food. Algo que envolvesse uma disputa entre clientes que, estressados pelo péssimo atendimento da casa, resolveram promover um quebra-quebra geral. Coisa que nos jornais sensacionalistas de hoje pudesse vir noticiada na primeira página mais ou menos assim: “Guerra de Canudos: clientes boladões quebram a dieta e o podrão”. Que idéia! Eu devia estar mesmo à frente do meu tempo.
Mas antes fosse o bafão na lanchonete, porque no sertão a chapa ficou muito mais quente. Foi o que eu li nos livros da história oficial. Diz que um bando de fanáticos religiosos sertanejos, liderados por um doido varrido com cara de beato e armados com facões e enxadas, planejava invadir a propriedade privada, tomar o poder, derrubar o governo republicano e impedir o avanço do país – mais ou menos o que a imprensa de hoje diz a respeito dos baderneiros do MST! Ainda bem que o exército chegou lá em Canudos e matou todo mundo, tipo Carajás.
Assim ficou tudo explicado? Quem me dera! Quando fui estudar literatura, conheci um tal de Euclides, que esteve lá no meio do furdunço e desmentiu em livro tudo o que foi contado pela oficial versão dos oficiais. Caguetou geral. Para ele, o episódio de Canudos não era um caso isolado na nossa história, mas um sintoma endêmico de uma sociedade forjada a partir da ótica opressora do homem civilizado civilizando o não-civilizado. Os sertanejos, na perspectiva euclidiana, eram, antes de tudo, bravos, e seu único fanatismo era sobreviver ao abandono do estado e aos disparos dos canhões da civilização.
Aí, deu ruim! Depois dessa também, fiquei boladão e passei a desconfiar de tudo. É por isso que fico sempre muito preocupado ao ver hoje os membros da nossa sociedade urbana e civilizada aplaudirem entusiasticamente os exercícios bélicos do governo tentando levar cidadania aos excluídos. Pior do que uma briga de lanchonete, essa justa batalha civilizatória coloca na mira de blindados e carros de combate homens, mulheres, velhos e crianças armados de copos e pratos vazios.
Márcio Hilário
15-09-2011
Depois da aula de hoje sobre Euclides ficou inspirado pra escrever sobre a Guerra dos Canudos professor? haha
ResponderExcluirComo sempre, excelentes seus textos!
ResponderExcluirbjsss
Excelente texto, professor.
ResponderExcluirSabemos quão difícil é alterar alguns aspectos da nossa sociedade, mas suas aulas fazem a diferença na forma em que vemos as situações. Aprendemos a ir além do já feito, do já questionado, das versões oficiais. Com isso, você já muda muita coisa.
Abraços
Menino, que saudades de você! Tenho uma penca de fotos da nossa turma na Letras..Muitas saudades da Tereza Calzollari, do Eduardo e suas,claro!
ResponderExcluirAdorei ler seu texto!
Mil Beijocas
Erika
Professor, mas como diz um amigo meu, pior do que fazer aniversário é a outra opção!
ResponderExcluirAbraço,
Altamir Bertoga
QUERIDO. É UMA HONRA DE SER TEU AMIGO
ResponderExcluirALEKSANDER H. LAKS