Recuso-me a
aceitar a máxima de que o brasileiro gosta de esporte, quando, na verdade,
penso que o esporte preferido do brasileiro seja tomar conta da vida dos outros
e, se possível, ejacular com o falo alheio. Herdeiro de uma tradição ibérica
cristã e sebastianista, o brasileiro espera contemplativamente a vinda de um
salvador, que o conduzirá a uma posição de glória que lhe permita zombarias
xenófobas. Se o messias, no entanto, tropeçar em sua meta, será imediatamente negado
por muito mais do que três vezes. No fundo, a única verdade bíblica disso tudo
é a seguinte: quem quer ser atleta de alto nível no Brasil precisa mesmo saber fazer
milagres.
Não é preciso
exercitar muito os neurônios para reconhecer que não há no Brasil uma política
desportiva séria intimamente ligada à educação. Ao contrário do que ocorre em
outros países onde há verdadeiras escolas de formação no desporto nas quais um
atleta vencedor destrona outro atleta de altíssimo nível, no Brasil precisamos
de nomes: heróis que, apesar da falta de tudo, façam a diferença e tornem-se
exceções. Basta observar que necessitamos esticar a permanência desse nome até
que ele não consiga mais competir, visto que é difícil contar com outra exceção.
O Brasil não tem uma escola desportiva. A prova disto é que muito de nossos campeões
treinam fora do país. Sendo assim, eles são brasileiros só de nascimento, não
de formação. Aliás, precisaram ir embora daqui para não se frustrarem de vez.
A relação entre
a educação e a prática desportiva no Brasil é a seguinte: aulas de Educação
Física são espaços de recreação (e ponto!). Os alunos do Ensino Fundamental só fazem
atividades lúdicas, danças e coreografias para datas festivas, enquanto os
alunos do Ensino Médio, que veem tais aulas como perda de tempo – muitas vezes
pressionados pelo fantasma do vestibular –, preferem não fazer nada. Os
professores, desmotivados, enfim, soltam a bola no meio da quadra para os
rachões dos meninos, respeitando o período de regras das meninas que se sentam
às margens das quadras. Enquanto isso, no outro lado da mesma escola, o
aluno-atleta treina oito horas por dia e ainda é obrigado a fazer a mesma
quantidade de matérias dos demais alunos. O resultado dessa equação é simples:
com oito horas de treinamento, são oito horas a menos para estudar, logo, o
desempenho piora na escola e a família pressiona ao jovem para que desista de
seu sonho, que, para ela acaba sendo apenas “recreação”.
Enfim, mesmo diante
de uma sociedade que entende a prática desportiva apenas como entretenimento,
nossos atletas conseguem superar todas as barreiras da desistência e milagrosamente
são capazes de colocarem-se no mesmo nível dos melhores do mundo e, mais
milagrosamente ainda, até de vencê-los. Portanto, depois de uma disputa de
medalhas na qual um de nossos atletas não tenha logrado êxito, que nenhum
repórter faça mais a seguinte pergunta: “E aí, o que faltou?”. Ou correrá o
risco de ter como resposta simples, incômoda e direta um sonoro “Tudo!”. E que
venham os jogos olímpicos do Rio 2016.
Márcio Hilário
03-08-2012