Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

"Panis et circenses": como é ser atleta no Brasil



Recuso-me a aceitar a máxima de que o brasileiro gosta de esporte, quando, na verdade, penso que o esporte preferido do brasileiro seja tomar conta da vida dos outros e, se possível, ejacular com o falo alheio. Herdeiro de uma tradição ibérica cristã e sebastianista, o brasileiro espera contemplativamente a vinda de um salvador, que o conduzirá a uma posição de glória que lhe permita zombarias xenófobas. Se o messias, no entanto, tropeçar em sua meta, será imediatamente negado por muito mais do que três vezes. No fundo, a única verdade bíblica disso tudo é a seguinte: quem quer ser atleta de alto nível no Brasil precisa mesmo saber fazer milagres.

Não é preciso exercitar muito os neurônios para reconhecer que não há no Brasil uma política desportiva séria intimamente ligada à educação. Ao contrário do que ocorre em outros países onde há verdadeiras escolas de formação no desporto nas quais um atleta vencedor destrona outro atleta de altíssimo nível, no Brasil precisamos de nomes: heróis que, apesar da falta de tudo, façam a diferença e tornem-se exceções. Basta observar que necessitamos esticar a permanência desse nome até que ele não consiga mais competir, visto que é difícil contar com outra exceção. O Brasil não tem uma escola desportiva. A prova disto é que muito de nossos campeões treinam fora do país. Sendo assim, eles são brasileiros só de nascimento, não de formação. Aliás, precisaram ir embora daqui para não se frustrarem de vez.

A relação entre a educação e a prática desportiva no Brasil é a seguinte: aulas de Educação Física são espaços de recreação (e ponto!). Os alunos do Ensino Fundamental só fazem atividades lúdicas, danças e coreografias para datas festivas, enquanto os alunos do Ensino Médio, que veem tais aulas como perda de tempo – muitas vezes pressionados pelo fantasma do vestibular –, preferem não fazer nada. Os professores, desmotivados, enfim, soltam a bola no meio da quadra para os rachões dos meninos, respeitando o período de regras das meninas que se sentam às margens das quadras. Enquanto isso, no outro lado da mesma escola, o aluno-atleta treina oito horas por dia e ainda é obrigado a fazer a mesma quantidade de matérias dos demais alunos. O resultado dessa equação é simples: com oito horas de treinamento, são oito horas a menos para estudar, logo, o desempenho piora na escola e a família pressiona ao jovem para que desista de seu sonho, que, para ela acaba sendo apenas “recreação”.

Enfim, mesmo diante de uma sociedade que entende a prática desportiva apenas como entretenimento, nossos atletas conseguem superar todas as barreiras da desistência e milagrosamente são capazes de colocarem-se no mesmo nível dos melhores do mundo e, mais milagrosamente ainda, até de vencê-los. Portanto, depois de uma disputa de medalhas na qual um de nossos atletas não tenha logrado êxito, que nenhum repórter faça mais a seguinte pergunta: “E aí, o que faltou?”. Ou correrá o risco de ter como resposta simples, incômoda e direta um sonoro “Tudo!”. E que venham os jogos olímpicos do Rio 2016.

Márcio Hilário
03-08-2012