Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Batidas na porta da frente


O que não for para agora já não presta. Se não foi para ontem, amanhã já será tarde demais. Frases curtas, histórias curtas, memórias curtas, transas curtas, paixões curtas, vida... acabou! Até a velocidade demora, melhor é a velô! Assim somos nós em nossos dias cada vez menores. Tudo se tem em a cada vez menos tempo. E a cada vez, temos menos tempo para tudo. O pior é que a cada tempo temos cada vez menos vez em tudo.


Em crônica de 1855, o escritor José de Alencar, encantado com o desenvolvimento da imprensa nacional e com o surgimento das primeiras estradas de ferro, profetizou que a combinação da tipografia com o vapor fariam com que de seu gabinete um homem se comunicasse com um mundo de gente. Nossa! A possibilidade de um texto poder circular por campos abertos que vão para além das redondezas paroquiais é realmente incrível.


Fico pensando o que diria o romancista, então, se pudesse ter conhecido a nossa da rede mundial de computadores e visto realmente que um homem da sua casa pode estar interligado com o mundo inteiro. Imagino as possibilidades infinitas de trocas literárias que não passariam pela cabeça do escritor. Com um computador na mão e uma conexão de banda larga, Alencar ficaria literalmente igual a um pinto no lixo! Será?


Infelizmente, é provável que seus textos tivessem a mesma quantidade de leitores que têm hoje. Afinal, diga-se de passagem, toda a sua obra já está bem disponível na rede. O problema é que pouca gente a lê. Alencar, então, ficaria triste, mas não creio que o fruto de sua tristeza fosse o fato de não ter sido “add” por ninguém. Creio que o motivo que levaria o escritor à depressão seria o seguinte: como, tendo um meio tão poderoso de comunicação, essas pessoas preferem escrever tolices e futilidades?


A isso, responderia um internauta: L! Outro completaria em miguxês: ahrzdrklasdj!!! E o mais metido a culto decretaria: É uma questão de tempo! Não dá pra perder tempo! Precisamos de objetividade! Ir direto ao ponto! Alencar, então, que sempre gostou de uma polêmica bateria assim: Tempo é uma questão de prioridade. Na minha época, tudo era manuscrito e nem por isso deixei de ler e escrever muito todos os dias. Eu também não tinha tempo a perder. Ao contrário, queria era vencê-lo. Por isso, tornei-me eterno, enquanto a vocês cabe apenas a fugacidade do instante!


E eu... se estivesse nesse chat... diria algo não tão profundo, mas que os internautas pudessem entender: aaaaaaaiiiiiii! tomaaaa! rs.



Márcio Hilário

30-08-2011





quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Barrados no baile

“Quando nascemos fomos programados

A receber que vocês nos empurraram

Com os enlatados U.S.A. de 9 às 6.”

(“Geração Coca-Cola”, Legião Urbana)


Fato: a televisão ocupa um espaço excessivo na vida do brasileiro. Para muitas pessoas ela é o único meio de informação, educação, lazer e entretenimento. Inspirada no modo americano de produção de bens culturais, o objetivo inicial e final da TV brasileira é cada vez mais descaradamente o consumo. Roupas, objetos, expressões, gestos, linguagens, enfim, tudo o que possa ser veiculado pelas imagens, que, no fim, para muitos, é a única coisa a qual se tem acesso de verdade. O padrão é o das elites: para ser mais exato, das elites da região Sudeste... ou melhor, do Rio de Janeiro... mas da cidade do Rio... no caso, da Zona Sul... especificamente, do Leblon. Ou seja, nem de muito longe isso representa o modo de vida de 200 milhões de brasileiros. E ainda inventaram a Barra! Ou melhor, a maquete tupiniquim da Nova Iorque carioca. Medo!

Como nossos desgovernos não são nada interessados em investir de verdade em outras formas de manifestação cultural que possibilitem crescimento cognitivo e intelectual às massas, a televisão tem vida muito longa pela frente. Ao espectador, consumidor de imagem, resta sentar diante da telinha e, quando muito, manifestar alguma insatisfação trocando de canal para ver mais do mesmo. Os programas se repetem, as novelas se repetem, as notícias se repetem, os jogos se repetem, tudo se repete para a contemplação passiva dos olhos alienados estampados em caras de novidade. As elites determinam quando a moda vem ou vai e o subúrbio faz da pirataria sua forma de usar o mesmo que os artistas.

Com os canais por assinatura, a coisa ficou ainda mais complexa nos grandes centros. Agora são dezenas de canais a repetirem o mais do mesmo com cara de novidade. Tudo se sucede numa velocidade espantosa. É difícil acompanhar. Principalmente quando não se tem tempo. E o pior é que, sendo professor, acabo passando vergonha! Fui dizer, por exemplo, em uma turma que eu estava achando muito engraçado um enlatado americano que eu, por acaso, começara a acompanhar... pronto! Todos os alunos começaram a rir dizendo que já tinham até parado de gravar a série há uns dez anos. Fiquei realmente com cara de bobo e me senti como um velhote fã de Jovem Guarda.

Depois caiu a ficha: eu estava somente uns dez anos atrasado para uma coisa que a televisão vai acabar reinventando de novo. E os meus jovens televisivos? Será que eles teriam não só tempo, mas, sobretudo, instrumental para uma boa leitura? Quando percebi que a maioria deles nem sequer saberia escolher numa livraria uma boa obra do nosso riquíssimo acervo cultural literário brasileiro e que possivelmente lhes faltariam ferramentas para fazer uma leitura crítica dessas obras, acabei me dando conta de que o meu atraso era bem pequeno.

Márcio Hilário.

24-08-2011