Recebi hoje de
manhã mais um convite para lecionar – só na última semana foram sete (conta de
mentiroso, né?). Expliquei educadamente que não poderia aceitar a proposta,
visto que assumi outros compromissos profissionais que me impedem de realizar
as atividades concomitantemente. Dito isso, o diálogo logo se encaminhou para
seu desfecho, cumprindo todos os ritos formais das despedidas telefônicas. No
entanto, penso agora que poderia ter continuado de outro modo:
― Ok, então! Deixa
eu desligar, porque preciso correr atrás de outro professor...
― Outro
professor? Como assim, meu caro! Para o meu lugar???... Não... não importa se
tecnicamente não era o meu lugar, mas poderia ser. Eu sou o mais qualificado
para isso, você mesmo disse, e ralei muito pra chegar até aqui, tá? Perdi noites
e mais noites de sono estudando, nunca fiquei reprovado na escola, passei num
vestibular concorridíssimo para uma das melhores universidades do país, onde
cursei bacharelado, licenciatura, mestrado e doutorado, para agora um Zé
Ninguém como o senhor ter a cara de pau de dizer que pode existir alguém que
aceite fazer o que eu não quis???
― Peraí, peraí! Deixa
ver se eu entendi direito: o senhor não quer aceitar a vaga que lhe oferecemos,
mas também não quer que outra pessoa aceite. Sei. Então, a sua proposta é que
fiquemos sem professor e pronto?!
― É isso mesmo: já
que eu não quis, também não quero que ninguém queira!!!
― É... eu acho
justo alguém querer algo! Eu, por exemplo, quero uma coisa, sabe o quê? Eu
quero que o senhor vá à... tu-tu-tu-tu...
Se esse diálogo
tivesse ocorrido de fato, eu desligaria o telefone logo que percebesse a
entonação da crase. No entanto, para a minha felicidade, sei que ele é para mim
completamente inverossímil, porque entendo que meu esforço pessoal e minha
trajetória acadêmica não me colocam acima do bem e do mal. Existe um compromisso
ético e cidadão que me faz compreender que, se não posso ajudar, devo ao menos
não atrapalhar. Infelizmente, algumas categorias profissionais forjadas nas
ideologias oligárquicas e racistas do século XIX não pensam assim e acham feio
tudo aquilo que não lhes é espelho. Defensores de um discurso meritocrático com
laivos de narcisismo, acreditam ter conquistado o direito de hostilizar àqueles
que lhes ameaçam o trono. É uma pena! Eles não estão entendendo nada... nada...
absolutamente nada!
Márcio Hilário
29-08-2013