Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O que você vai dizer para o seu filho?


Realmente não queria dar espaço para os assuntos que espetacularmente pipocam na mídia, para não legitimar sensacionalismos e discussões vazias. Entretanto, diante do mais recente caso de polícia envolvendo um famoso, surgiu uma questão interessante, trazida por uma aluna, a quem agradeço: “Na TV perguntaram assim: o que um pai diz a um filho quando ele vê que o seu herói agora é um criminoso que foi parar na cadeia?”.


Sede e inquietação. Água em goles de ainda mais inquietação. Embora tenha aprendido com os personagens daquela simpática vila mexicana que somente os tolos respondem a uma pergunta com outra pergunta, não tive escolha: “Já eu queria saber o seguinte: quando é que os pais vão dizer aos seus filhos que alguém que ganha salário-mínimo e ainda assim consegue cuidar de sua família sem perder o caráter e a dignidade é que é um verdadeiro herói?”.


Trocando uma interrogação por outra, imagino que inquietante tenha ficado a minha voz, que se abriu de vez para denunciar a lógica perversa da nossa esquizofrenia social. Consagramos valores, estabelecemos princípios, definimos a moral e flexibilizamos a ética, utilizando para tanto as cifras como parâmetros de regulamentação da existência. Importa o quanto se tem ou quanto se aparenta ter para gastar, entendendo, assim, que portas sempre se abrem e grades nunca se fecham.Vende-se a alma, compra-se o afeto, aluga-se o corpo, paga-se o prazer, liquida-se a vida.


Numa lógica como essa não há espaço para cultivar e cultuar o respeito, o cuidado, a solidariedade, a alteridade, o engajamento, a participação, a cidadania, a compaixão, a gentileza, a honestidade, a integridade, ou qualquer outro valor que ensine a não pensar apenas em si mesmo. E, diga-se de passagem, são esses os valores que o nosso povo mais humilde sempre carregou consigo. Até porque, quando se vive na míngua, aprende-se que somente de mãos dadas se consegue transformar o pouco de cada um no suficiente para todos.


Sede e inquietação que não cede. Afinal, o que importa realmente é saber o seguinte: o que você vai dizer para o seu filho?


Márcio Hilário

(08-07-2010)

4 comentários:

  1. Nooossa ! Choquei ! Acho que depois de toda a discussão em sala, só posso concordar em gênero número e grau. Acho importante esses fatos que valem a pena serem questionados e analisados por toda a sociedade serem abordados também em sala de aula. Obrigada mais uma vez (:

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  2. "Consagramos valores, estabelecemos princípios, definimos a moral e flexibilizamos a ética, utilizando para tanto as cifras como parâmetros de regulamentação da existência. Importa o quanto se tem ou quanto se aparenta ter para gastar, entendendo, assim, que portas sempre se abrem e grades nunca se fecham.Vende-se a alma, compra-se o afeto, aluga-se o corpo, paga-se o prazer, liquida-se a vida."

    Um trecho absolutamente genial desse seu texto preciso.

    Para mim, o fato em si do assassinato cometido por Bruno e seus comparsas quase não tem valor reflexivo algum. Psicanalistas e sociólogos estão cansados de falar, às suas maneiras peculiares, sobre a questão da criminalidade. O que cabe, talvez, pensar, é se no fim das contas o citado assassinato não é fruto de uma "doença psíquica", de um "desvio das normas de comportamento", etc..

    Porém, o mais interessante nesses recentes casos de crimes hediondos (o caso Isabella, o caso da promotora que espancava a filha adotiva, e agora o caso Bruno) é perceber o discurso que a mídia e a própria população veiculam. É nesses momentos de comoção que podemos perceber, de maneira mais ampla e precisa, que valores circulam, quais tipos de representações as pessoas adotam. Esse tipo de fato, em suma, costuma dizer muito da sociedade como um todo.

    A meu ver, é isso que seu texto fez.

    Bom saber que, no Brasil, há educadores que não fazem só seu feijão com arroz, que tentam levar reflexões mais complexas a seus alunos.

    Um abração, professor Hilário!

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  3. Márcio, tê-lo como colega de trabalho é uma satisfação. Ler os seus textos é um alento; são colírios para os nossos olhos e sementes para o nosso cérebro.
    Parabéns!
    E como dizia Elis/Belchior: "Os ídolos continuam os mesmos..."
    Um abração.
    Professor Jeferson

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  4. saudades das suas aulas isso sim rs !

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