“− A vida inteira tentei subir de nível na sociedade, para onde seria tudo legalizado, correto... Mas quanto mais subo, mais vejo desonestidade. Quando isso vai acabar?” (Michael Corleone)
Não é de hoje que “honestidade” tornou-se uma palavra raríssima. Eu chego a duvidar que ainda exista no dicionário. Segundo Michael Corleone, ela seria um valor inversamente proporcional ao status do sujeito. É por isso que, no último filme da trilogia, ele acaba desistindo do seu sonho de legalizar a Família, tornando-a respeitável na sociedade. Além disso, o velho Don chega à triste conclusão de que o mundo considerado legal está alicerçado fundamentalmente na ilegalidade. Manda quem pode, obedece quem tem juízo, como já diria um dos nossos ditados populares mais conformistas. Tudo bem, mas já que nos lembramos do povo, que tal falarmos das festas populares?
Certa vez, no sábado de carnaval, enquanto eu disputava um pedacinho de chão com outras centenas de foliões que acompanhavam o tradicionalíssimo “Bola Preta”, pude viver na prática uma experiência de puro exercício do micropoder. Foi uma daquelas que o Michelzinho certamente iria gostar.
Era um cenário muito aquém dos prefeitos cariocas: barracas e ambulantes tomando conta das ruas e das calçadas lotadas, enquanto outras se equilibravam nos muros dos edifícios históricos, caricaturando um novo centro da cidade. Os barraqueiros pernoitam no local onde pretendem erguer seu pequeno quintal para receberem os amigos e os parentes, que comerão, beberão e sambarão como se estivessem em verdadeiros camarotes. Embora não fosse “morador do condomínio”, meu Tio Carlos chegou cedo e achou um tipo de “terreno baldio”, um vão entre duas dessas barracas. Não teve dúvidas, arrumou um fio de barbante e cercou o terreno, ou melhor, “O Camarote do Carlão”.
É claro que essa privatização do espaço público e atrapalha a livre circulação das pessoas. Com todo aquele aperto, portanto, nosso humilde puxadinho havia se transformado num latifúndio que afrontava aos transeuntes desterrados. Logo, nesse contexto, duas senhoras reclamaram muito do absurdo que estávamos fazendo, pois, afinal, a rua era pública, lugar de todos. E elas tinham razão. Por isso mesmo, baixamos o barbante e dividimos nosso lugarzinho com todos. As doces senhoras obviamente foram as primeiras a escolherem seu cantinho do lado de cá do barbante. Só que, em menos de cinco minutos, a reclamação já era outra: ó, meninos, é melhor fechar aqui senão todo mundo vai entrar, hein!
Pois é, se Michael Corleone estivesse no “Bola Preta”, veria que infelizmente em nossa sociedade, na “periferia do capitalismo”, cidadania é bandeira de quem está por fora, porque, no fundo, todo mundo quer mesmo arranjar um barbantinho, uma barraquinha, uma pulseirinha vip, uma camisetinha, um camarotezinho, e assim vaizinho. Afinal, só dá pra estar lá em cima, quando alguém fica cá embaixo, né?
Márcio Hilário
01-02-2011