Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Anel de Tucum

O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.

(Leonardo Boff)



O uso do Anel de Tucum remete suas origens ao Brasil imperial. Enquanto os senhores de engenho e os demais representantes das elites se adornavam com jóias feitas de ouro e pedras preciosas, ostentando, assim, sua riqueza e seu poder, esse pequeno objeto do artesanato indígena ganhou novo significado e passou também a ser usado por escravos e despossuídos como aliança matrimonial, elo de amizade e, mais amplamente, como sinal da luta por libertação.


Como símbolo religioso contemporâneo, o anel identifica os cristãos que se alinham com a opção preferencial e solidária pelos pobres praticada pela Teologia da Libertação. Na esteira das transformações oriundas do Concílio Vaticano II (1962-65) – que orientou a busca por um papel mais participativo para a fé na sociedade, com atenção especial aos problemas sociais e econômicos – e das Conferências Episcopais de Medelín (1968) e Puebla (1979), diversos religiosos progressistas da América Latina abraçaram definitivamente a causa dos excluídos. No Brasil, desenvolveram-se nos anos 70/80 em todo o país as Comunidades Eclesiais de Base e as Pastorais Sociais (Operária, do Negro, do Índio, da Terra etc.).

A essência dessa proposta teológica – radicalmente oposta ao conservadorismo eclesiástico – está no deslocamento do centro para as periferias. Ou seja, nela os excluídos são vistos não como aqueles que recebem as migalhas do mundo dito civilizado, mas sim como os protagonistas do novo mundo. Não basta, pois, condenar moralmente a miséria, a injustiça e a opressão. É preciso combatê-las historicamente e romper com o sistema que as produz. Nessa linha de entendimento, a verdadeira igreja nasce de um povo que se organiza.

Essa precisa ser uma opção de todos nós, religiosos de todas as confissões ou ateus, unidos em comunhão numa aliança pela solidariedade. Tucum é o nome de um tipo de palmeira amazônica, que tem um caule cheio de espinhos e dá um fruto adocicado e saboroso. É dela que se faz esse anel. É ela que deve inspirar quem o usa. Por fora, ter os espinhos prontos para lutar em favor dos pobres, dos negros, dos índios, dos torturados, dos homossexuais, das mulheres vítimas de violência e de todos aqueles que sofrem algum tipo de injustiça. Todavia, por dentro, conservar sempre tenro e doce o sentimento de compaixão, ternura e amor ao próximo.


Márcio Hilário.

12-04-2011



11 comentários:

  1. Gostei da representação do anel, professor.
    Usaria não pela religiosidade, mas pela questão do combate ao preconceito e pela ajuda humanitária aos mais carentes.

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  2. Caro Clayton,
    É justamente esse o convite que o Anel de Tucum faz a todos aqueles que têm fome e sede de justiça. É a simbologia de uma opção diante da vida, não um dogma religioso!!! Como diria Milton Nascimento, "quem traz no corpo essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida"!!! Um abraço.

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  3. Muito legal! Como diria ÓCHÊnte Guevara, "O cabra tem que ser arrochado, mas sempre com uma peínha de bem querença!"

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  4. Realmente brilhante essa representação. Saciou a dúvida minha de um ano todo!

    Saudades das suas aulas, agora que entrei para uma área tão técnica e sem discussões políticas ou sociais... (desabafo)

    Abraços!

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  5. Caro Glebe,
    geralmente o anel é vendido nas lojinhas das igrejas, onde também se encontra, além terços e crucifixos, o "Ofício divino das comunidades". Nele, você lê o "Pai-nosso dos mártires" e outros textos de uma teologia engajada. Mas, como aqui na arquidiocese do Rio, privilegia-se mais o conservadorismo e as cantorias aeróbicas e alienadas, pode ser que nem conheçam o anel de tucum. Mas não custa tentar!!! Quem sabe os franciscanos ajudem! Abraços!

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  6. Caro Professor,
    Adorei o texto ... =D mas gostaria de esclarecer que a Igreja como um todo está engajada na caridade como meio para cumprir o Novo Mandamento: "Amai-vos uns ao outros assim como Eu vos tenho amado!" E a caridade a que me refiro não é filantropia e nem pena do pobre mas sim dar aquilo que Ele nos deu: o Amor! Faço parte de uma sociedade de leigos que tentam cumprir tão dificil tarefa ... Afinal, se conseguirmos fazer isso o paraíso será definitivamente aqui! Um grande abraço, e saudades de seus ensinamentos e do Imperial CPII =/.

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  7. Caro Felipe,
    recomendo a leitura do livro "Igreja: carisma e poder", do teólogo e filósofo Leonardo Boff. Lá você verá que, infelizmente, a caridade da Igreja de Roma é uma mera figura de retórica. Apesar de algumas ações cheias de boa vontade de certos grupos, elas acabam por legitimar a ordem vigente e alimentar a alienação do povo. Poucos foram aqueles que se colocaram realmente ao lado das causas populares e lutaram contra uma lógica sistêmica de exclusão e produção de miséria. Poucos tiveram a coragem de se afastar da opulência do poder clerical. Veja a luta de D. Pedro Casaldáliga e D. Tomás Balduíno. Estude a história de D. Hélder Câmara e descubra o que a Igreja de Roma fez para silenciá-lo. Lei sobre as punições impostas a Leonardo Boff e outros teólogos da libertação. Eu pessoalmente já vi bispos serem perseguidos, padres serem punidos, seminaristas serem expulsos e leigos serem afastados. Portanto, não é verdadeiro que a "Igreja como um todo está engajada na caridade como meio para cumprir o Novo Mandamento". Mas essa já é uma discussão para outras postagens aqui no blogue!!! rsrsrs... Abraços.

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  8. Caro Professor,
    Sei que a oportunidade de “explicar” as respostas o sr não nos dava mas tentarei aqui assim mesmo rsrsrs ;) A idéia de que a Igreja como um todo está engajada a que me refiro é que isso é sua base como dogma para assim surgir toda a fé e preceitos. As perseguições ocorrem (eu sei e já presenciei) mas isso mostra a visão política na qual alguns membros se debruçam e não a visão de toda a Igreja. E essas perseguições não só ocorrem dentro de igrejas mas em todos os lugares que se denominam instituições. Visto policiais postos nos fundos de um batalhão porque são “muito corretos” ou professores colocados para escanteio ou demitidos pq “falam demais”. Portanto, ainda creio que os jovens não são atraídos ao sacerdócio pela “opulência do poder clerical”. Mas isso fica para outro comentário rsrsrs! Um forte abraço!
    Ah e a sociedade a que me refiro é a Sociedade São Vicente de Paulo ... e lerei o livro sim, obrigado!

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  9. Caríssimo Felipe,
    iniciamos um debate interessante, por isso, inclusive escrevi o texto "Misturando Fé e Política". Creio que no fundo desejamos a mesma coisa, mas não partilhamos do mesmo ponto de vista. Acretido que o livro "Igreja: carisma e poder" realmente será muito bom para você entender melhor a Igreja de Roma. Quem me dera que o princípio fundamental dela fosse a verdadeira luta por justiça. Na oração de D. Hélder, que postei como anexo no blogue, ele roga que a Igreja "não fique só em palavras". Pois é isso para mim o ponto central: quem de fato, como Cristo, vai até o limite de derramar seu sangue pela libertação dos que mais sofrem? Como conheço bem a sua inquietude (assim era como aluno, afinal, rs...), sei que você pesquisará sobre os nomes que eu citei. Por isso, dentre eles, incluo o nome de D. Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, que foi assassinado enquanto celebrava uma missa; D. Adriano Hipólito, que foi sequestrado e abandonado nu em uma lixeira aqui na Av. Presidente Dutra; Frei Tito de Alencar Lima, brutalmente torturado pela ditadura no Brasil; o Papa João Paulo I, que, depois de anunciar que investigaria as relações da Igreja com a máfia, morreu dormindo subitamente. Esses e outros não fizeram uma caridade retórica ou rasteira, mas foram realmente fundo. A pergunta é a seguinte: por que eles não mereceram a beatificação que o "pop" João Paulo II recebeu? Mais uma: por que o cardeal Ratzinger, que era da juventude hitlerista e foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (antiga Santa Inquisição), foi eleito papa, enquanto esses nomes que eu listei foram punidos e perseguidos? E uma dúvida: esses jovens vocacionados, que "não são atraídos ao sacerdócio pela opulência do poder clerical"... quantos deles abriram mão desse mesmo poder ou o questionaram? Existem muitas Igrejas na Igreja: qual delas liberta, qual aliena? Qual está do lado do povo, qual o silencia? Qual ensina a questionar e qual faz aeróbica contemplativa? Essa é a essência do que eu discuto e não a sinceridade da fé das pessoas!!!

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  10. Caro Mestre,
    Primeiramente, agradeço a consideração pela resposta. Sei que fui “mal-criado” ao responde-lo mas era porque realmente eu queria ler isso que o senhor escrevera no post acima: “Existem muitas Igrejas na Igreja” foi o momento que eu vi que estamos falando da mesma coisa ... fui impertinente porque queria informações (e consegui, rsrsrsrs). Agora, concordo com sua inquietação, mas também tenho fé que um dia isso tudo isso servirá de lição para toda a humanidade porque muitos aprenderam e mostraram ao mundo o verdadeiro Amor. Afinal de contas, Ele nos ensinou que tudo isso aconteceria. E tb gostaria de falar que a sociedade não é só alienada pelas religiões (“mea culpa” para minha, claro) mas por diversos meios (midiaticos e consumistas) para enfiar na cabeça de todos que o melhor a fazer é garantir o seu antes que acabe. Portanto, num mundo onde a morte de uma pessoa move mais multidões do que a luta por direitos humanos, devemos escolher um lado: seja ele na Igreja ou na sociedade! Só espero que todas as suas contestações, caro mestre, nunca abalem a fé em Deus e no homem porque só precisamos de uma pequena fagulha de fósforo para dissipar a escuridão de todo um cômodo... Um forte abraço, e saudades de suas aulas .. são umas das poucas que me dão dor de cabeça até o dia seguinte .. rsrsrsr como se fosse uma ressaca das idéias!! Ah, e adorei o vídeo e a oração de Dom Helder Câmara, me emocionei de verdade msm ... “E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria. (...) A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” 1 Corintios 13:2, 5-9. Sei que algumas traduções mudam a "caridade" por "amor", mas sinceramente não vejo diferença. P.S: prometo fazer comntarios mais curtos na proxima vez ... =)

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