Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Um sujeito artesanal


Sem dúvida, a imagem-símbolo do mundo industrial é aquela de Charles Chaplin, no filme Tempos Modernos. A figura do apertador de parafusos, fixamente concentrado em sua função na linha de montagem e alienado do processo conjuntural, opõe-se radicalmente à imagem do artesão, que, além de participar de todas as etapas do processo de elaboração do objeto artístico, consegue projetar já na matéria-prima o produto final de seu intento.


Certa vez, assisti ao ator Pedro Cardoso distinguir a televisão do teatro, respectivamente, pela oposição metafórica industrial vs artesanal. Para ele, a televisão aceita bem a reprodução de si mesma, corrige as imperfeições com recursos tecnológicos e faz uma comunicação fria, distanciada e monológica, já que o espectador está em casa e, por isso mesmo, não pode responder. O teatro, por sua vez, aceita menos o modo industrial de produção de bens culturais: o ator precisa estar realmente ali, fazendo o espetáculo para um público que reage e interage. Além disso, uma reapresentação não é o mesmo que um vídeo tape, já que o ator tem de fazer tudo de novo, para uma nova platéia, que pode responder de outra forma. Sendo assim, cada espetáculo é um todo novo.


O publicitário Duda Mendonça já escreveu um livro no qual afirmava que não entendia porque certos políticos perdiam tempo fazendo comícios, visto que com um bom programa no horário eleitoral eles atingiriam muito mais gente de uma maneira bem mais eficiente, intimista, entrando na casa das pessoas. A eficácia desse modo industrial de fazer política na sociedade do espetáculo fica ainda mais evidente quando constatamos o grande número de atores, apresentadores, radialistas e músicos que têm sido os campeões nas urnas. A participação em movimentos sociais, o diálogo permanente com as bases e a formação de uma militância foram substituídos pelo luz, câmera, ação.


É por essa e por outras que, diante de uma lógica industrial, que dissemina a fragmentação, a superespecialização e a conseqüente alienação do todo como um princípio que se estende a todas as áreas do conhecimento humano, cheguei à seguinte conclusão: sou um sujeito artesanal.

Márcio Hilário

19/05/11


2 comentários:

  1. Hilário,

    Sua reflexão me lembrou muito o livro do Sennet, "o artíficie".

    Penso diariamente na lógica do artesanato em meu ofício... Como somos forçados a uma lógica industrial em campos onde isso chega a soar absurdo.

    Quando esquecemos nosso lado artífice, o cotidiano nos aliena e ficamos um passo mais próxima de ser daqueles indivíduos que saem por ai, batendo de canto em canto, querendo fazer tudo ao mesmo tempo.

    ResponderExcluir
  2. Caro Bernardo,

    creio que nosso conflito intelectual e drama como educadores reside na seguinte problemática: saber resteiramente um pouco de tudo ou especializar-se profundamente em algo que, para o todo, pode ser nada. Porém, é justamente na tensão entre módulos e livros que temos de entrar com nossos projetos de vida, de educação, de sociedade.

    Acredito que o saber enciclopédico está bem perto da alienação: só é uma ignorância mais especializada. A atitude de integrar criticamente os fragmentos a um todo conjuntural é fundamentalmente o nosso papel como educadores. Mas isso já dá um outro texto para este blogue!!!

    Obrigado pela leitura e pela participação!!!

    ResponderExcluir