Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O silêncio da namoradeira



“Em cada porta um bem freqüente olheiro,

Que a vida do vizinho e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,

Para o levar à praça e ao terreiro.”

(Gregório de Matos)



Uma das coisas mais maneiras que tenho visto recentemente no subúrbio é que as pessoas importaram a moda veranista colocando aquelas bonecas namoradeiras nas janelas para tomar conta da vida dos outros. Quem é suburbano da gema sabe que essa é uma versão inanimada da tradicional fofoqueira do bairro, que é uma das personagens mais folclóricas do nosso cotidiano. Sabem aquelas com telhado de vidro bem fininho, que rotulam os filhos dos outros como vagabundas e maconheiros, mas não olham para suas próprias crias? Pois é. Lembro-me, por exemplo, de uma da minha rua que ficava tanto tempo na janela do prédio que me via ir e voltar da escola, do maternal ao ensino médio. Ela sabia até quando era dia prova e só faltava comparecer à reunião de pais para pegar o boletim. Aqueles cotovelos eram casados com comunhão de bens com o parapeito da janela. Depois que ela morreu, as janelas foram trocadas. Dizem as outras más línguas que seguiu tudo junto com a dona no caixão.



Mas voltemos ao caso das namoradeiras. Afinal, qual é a grande diferença que entre elas e o seu protótipo humano? O silêncio. Enquanto as fofoqueiras seguem aquele ritual acadêmico de ensino, pesquisa e extensão tão bem descrito pelo nosso barroco Gregório de Matos, as namoradeiras só observam e nunca falam nada. As fofoqueiras são mais completas. E, como têm pernas, elas possuem um alcance muito superior ao limitado campo de visão da janela. Elas literalmente vão atrás das notícias. Algumas têm até um quê de legista e fazem questão de serem as primeiras a chegarem ao local do crime quando pinta um presunto fresco. Mas não param por aí: além de fazerem o laudo, promovem a investigação, encaminham a denúncia, conduzem o julgamento, proclamam o veredicto e estabelecem a sentença. É x-tudo completaço, com batata palha e ovo de codorna. E as namoradeiras? Nem tiram a mão no queixo para não apontarem o dedo. Além de continuarem inexoravelmente mudas. E foi esse silêncio que confundiu a cabeça da minha família.



Meu tio resolveu ir ao quintal para dar uma aliviadazinha na bexiga. Não. Não é que não tenha banheiro em casa. É que urinar a luz do luar é escatologicamente poético. Só que foi nessa de olhar para a paisagem que acabou levando um baita susto e quase molhou as calças. Havia uma mulher na janela do vizinho contemplando o horizonte e deu um baita flagra no maroto. Fosse um daqueles caras que passam buzinando na beira da estrada e ainda gritam mijãããooo, ele ainda viraria balangando o mijador, mas para a esposa do vizinho jamais faria isso. Pior é se batesse aquela sanha de tarado exibicionista: acabaria acreditando que aquela falsa pudica tinha era um fetiche voyerista e escondia dentro de si uma verdadeira devassa. Ocorre que a realidade dos fatos não me deixa mentir e a taradinha da janela era apenas uma indiscreta e inerte namoradeira, sem voz e sem vez.



Tudo isso foi contado numa daquelas rodas familiares que nunca acabam em uma só história. Minha tia – irmã do mijão naturista – tomou a palavra e contou seu causo. Ia ela a caminho de visitar uma outra tia minha, que havia se mudado, e nada de encontrar o endereço. Família grande e nômade tem dessas coisas. Pegou o celular e ligou para a minha mãe para confirmar a rota. Sobe rua, desce rua e nada. No subúrbio a numeração, quando existe, não tem coerência alguma. Já quase desistindo, avistou uma vizinha na janela e decidiu educadamente pedir-lhe ajuda. Ô senhora, sabe onde mora fulana? Ô senhora? Ei? (Paciência tem limite... e cordialidade também!). Ô, carvalho (licença poética!), não tá me vendo aqui não, poxa (outra licença!)? Então vai... (habeas corpus poético!)



Resumo da narração: namoradeiras podem até não falar, mas têm de ver e ouvir cada coisa!




Márcio Hilário


06/07/2011


2 comentários:

  1. Fico até com medo de colocar aqui minha opinião, pois não sou muito boa em língua portuguesa. Mas saiba, que sou sua fã! Você é verdadeiramente o cara!!! rsrsrs
    Espero vcs aqui em Vila Velha para uma visita.
    Super Bjo
    Paula Schneider

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  2. Engraçados os causos, mas coitadas das namoradeiras...

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