E se alguém perguntasse quantas vezes podemos nascer para a vida? Uma vez só, ué! Responderíamos expulsando as palavras da ponta da língua. Mas será mesmo que realmente ascemos uma vezinha e pronto? Não tenho tanta certeza disso. Pode ser que possamos vir à luz todos os dias, quem sabe. Calma mãe! É apenas no sentido figurado, ninguém vai obrigá-la a fazer sete partos por semana! O fato é que, a todo instante, podemos experimentar da vida coisas que para nós eram impensadas há minutos atrás.
Na pele de Álvaro de Campos, vivendo uma noite terrível, Fernando Pessoa se queixava de como a vida é sempre uma batalha perdida por um placar bem expressivo: o infinito a zero. Afinal, todas as vezes que escolhemos fazer algo em especial, automaticamente também deixamos de fazer toda uma infinidade de outras coisas possíveis. E o que é pior: as experiências vividas ficam eternizadas na memória, mas e aquelas que não aconteceram? Essas ficam perdidas para sempre. Puxa!
Olha! Longe de mim querer dizer que o poeta está errado, mas pensemos por outro lado. Do mesmo modo que nunca poderemos ter de volta todas as coisas que deixamos de fazer, como não sabíamos mesmo o que era e como ainda não morremos, a vida nos oferece a oportunidade de vivê-las sem ter essa certeza. Assim, tudo o que está por vir é inevitavelmente uma grande surpresa. E é isso o que pode fazer da vida um mistério e viver passa a ser assim uma arte bem legal.
Vejam o caso de um grande amigo meu, por exemplo. Viu toda a sua família ser assassinada juntamente com os mais tenros dias da sua infância vivida no gueto e no campo de extermínio durante a Segunda Guerra Mundial. Depois disso, não ficou imune a outras tantas amarguras da vida: perdeu mais entes queridos e lutou contra a sua frágil saúde. Apesar de tudo, aos 84 anos de idade, foi capaz de se emocionar ao comer algodão doce pela primeira vez na vida: a infância perdida renasceu naquele dia, pequeno Henryk!
Márcio Hilário.
30-09-2011