Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Guerra de canudos, copos e pratos vazios



Quando eu era pequeno, acreditava seriamente que a expressão “Guerra de Canudos” fazia referência a algum episódio ocorrido numa lanchonete estilo fast food. Algo que envolvesse uma disputa entre clientes que, estressados pelo péssimo atendimento da casa, resolveram promover um quebra-quebra geral. Coisa que nos jornais sensacionalistas de hoje pudesse vir noticiada na primeira página mais ou menos assim: “Guerra de Canudos: clientes boladões quebram a dieta e o podrão”. Que idéia! Eu devia estar mesmo à frente do meu tempo.


Mas antes fosse o bafão na lanchonete, porque no sertão a chapa ficou muito mais quente. Foi o que eu li nos livros da história oficial. Diz que um bando de fanáticos religiosos sertanejos, liderados por um doido varrido com cara de beato e armados com facões e enxadas, planejava invadir a propriedade privada, tomar o poder, derrubar o governo republicano e impedir o avanço do país – mais ou menos o que a imprensa de hoje diz a respeito dos baderneiros do MST! Ainda bem que o exército chegou lá em Canudos e matou todo mundo, tipo Carajás.



Assim ficou tudo explicado? Quem me dera! Quando fui estudar literatura, conheci um tal de Euclides, que esteve lá no meio do furdunço e desmentiu em livro tudo o que foi contado pela oficial versão dos oficiais. Caguetou geral. Para ele, o episódio de Canudos não era um caso isolado na nossa história, mas um sintoma endêmico de uma sociedade forjada a partir da ótica opressora do homem civilizado civilizando o não-civilizado. Os sertanejos, na perspectiva euclidiana, eram, antes de tudo, bravos, e seu único fanatismo era sobreviver ao abandono do estado e aos disparos dos canhões da civilização.


Aí, deu ruim! Depois dessa também, fiquei boladão e passei a desconfiar de tudo. É por isso que fico sempre muito preocupado ao ver hoje os membros da nossa sociedade urbana e civilizada aplaudirem entusiasticamente os exercícios bélicos do governo tentando levar cidadania aos excluídos. Pior do que uma briga de lanchonete, essa justa batalha civilizatória coloca na mira de blindados e carros de combate homens, mulheres, velhos e crianças armados de copos e pratos vazios.


Márcio Hilário

15-09-2011




6 comentários:

  1. Depois da aula de hoje sobre Euclides ficou inspirado pra escrever sobre a Guerra dos Canudos professor? haha

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  2. Como sempre, excelentes seus textos!
    bjsss

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  3. Excelente texto, professor.
    Sabemos quão difícil é alterar alguns aspectos da nossa sociedade, mas suas aulas fazem a diferença na forma em que vemos as situações. Aprendemos a ir além do já feito, do já questionado, das versões oficiais. Com isso, você já muda muita coisa.

    Abraços

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  4. Menino, que saudades de você! Tenho uma penca de fotos da nossa turma na Letras..Muitas saudades da Tereza Calzollari, do Eduardo e suas,claro!
    Adorei ler seu texto!
    Mil Beijocas
    Erika

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  5. Professor, mas como diz um amigo meu, pior do que fazer aniversário é a outra opção!
    Abraço,
    Altamir Bertoga

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  6. QUERIDO. É UMA HONRA DE SER TEU AMIGO
    ALEKSANDER H. LAKS

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