Foto: Sebastião Salgado
Muito antes de aprendermos nossa língua pátria, já não
falávamos em nossa não língua mátria. Nascidos dos ventres do silêncio, os
quais nos carregaram mudos em nossas caladas gestações, nunca escutamos como
fomos fecundados, porque também isso não nos foi dito. Calamo-nos quando das
palmadas das parteiras, dos golpes do destino, das pancadas da vida e dos
açoites do tempo. O não dizer é tudo com que nos comunicamos desde antes de
nascermos para um mundo dominado pela palavra.
Nosso silêncio fez mais do que nos calar a boca,
encurtou-nos os gestos, atrofiou-nos o movimento, ressecou-nos a boca,
apagou-nos os olhos, matou-nos a alma. Na terra dos incansáveis oradores, fomos
educados, enfim, para ter as orelhas baixas, os olhos caídos, o peito arqueado
e a espinha dobrada. Obedecemos prontamente a todos os discursos proferidos por
quem acima de nós se pôs. Quanto aos outros, só lhes podemos antecipar as
pisadas, enfiando-nos por entre as solas de seus sapatos e o chão.
Em nossa boca de fome, se uma língua pendente há, é para
lamber-lhes as botas. Nossa falta de dentes – nascida quem sabe da
impossibilidade de sorrir – é que nos impede de morder as mãos que nos
desalimentam. Não podemos reagir. Não devemos reagir. Não é certo! E ademais,
para que reagir se o que poderíamos dizer nunca será ouvido? O que não se ouve
não se entende. O que não se entende não se aplica. E o que não é aplicado não
nos restitui a voz. E sem voz e sem vez, continuaremos assim esperando... o
norte, a sorte, o corte, a morte. Tudo no mais completo e absoluto silêncio...
baixinho... calado... sem incomodar ninguém.
Márcio Hilário.
11-07-2012
Hum... uma crônica de teor poético! Acredito que conseguiste alcançar um de seus objetivos com esse texto: impressionar, emocionar o leitor, convidando-o a negar, combater o que foi dito.
ResponderExcluirBLZ!
Shampoo
Perfeita! Parabéns, Márcio!
ResponderExcluirLuciana Crespo Dutra