Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Espelho, espelho meu...


Nem deu muita bola para os anões, nem desejou que lhe chegasse um príncipe. Ficou foi intrigada com o espelho que falava e que, por conhecer todo mundo, sabia dizer quem era mais bonita que quem e tudo mais. Não adiantava perguntar nada ao espelhinho de armação laranja que ficava pendurado no mesmo preguinho das folhinhas do calendário. Tudo naquela casa permaneceria mudo diante da pergunta. Aliás, nem às pessoas ela se atreveria a perguntar nada. Mesmo que o fizesse, o que adiantaria? Não queria a verdade, mas a fábula.

Foi aí que lembrou do único objeto que tinha tela e voz em casa. Perguntar qualquer coisa para ele também não faria sentido, porque não obteria nenhuma resposta direta mesmo! Porém, diante daquela tela, pelo menos, podia fantasiar um mundo que não era o seu. Entrou nele, como Alice, querendo encontrar as maravilhas do país, onde tudo seria belo e feliz. Beleza e felicidade que pareciam bem justas, afinal. Por que lá fora não podia ser assim?

Ela desfilava por aqueles espaços... e via formas... e sentia perfumes... e conhecia gente... e comia e bebia do bom e do melhor. Sim! Ela se acostumaria com aquilo! Os mundos de dentro e de fora do seu espelho eram claramente opostos e obscuramente incompatíveis. Não queria nem pensar em voltar para aquela anterior realidade em branco e preto, pois o que queria eram as cores.

Porém, toda a sua viagem não durou mais do que um suspiro. Foi barrada. Da porta não poderia passar e não adiantaria mudar de canal, pois, para onde fosse, encontraria sempre o mesmo cadeado. O problema é que do lado de dentro da tela falante nem todas as cores são iguais, apesar de os iguais de lá serem quase todos da mesma cor.

Voltou para o seu mundo real, para o seu espelhinho mudo no preguinho e para tudo aquilo que não está incluído na tela falante, cuja voz ainda escuta, mesmo de longe, aceitando-a como a mais absoluta e incontestável verdade. Consumirá, portanto, todos os seus dias tentando ser outra pessoa e nunca tomará consciência da sua inebriante e inigualável beleza.

Moral da história: um povo que não se vê não se conhece nem reconhece seu valor.


Márcio Hilário
28-02-2013

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Quem não tem o que falar assovia!





Finalmente assisti ao novo filme de Quentin Tarantino e achei o máximo – que me perdoe o Spike Lee! Resolvi escrever sobre Django livre porque a voz da imbecilidade continua ecoando na minha mente: “É o pior filme dele!”, disse uma jovem com síndrome de crítica-cinematográfica-hiperbólico-metonímica, que, infelizmente, estava dentro da minha área de cobertura. Tá bom! Eu também não sou nenhum cinéfilo nem muito menos um especialista na obra tarantina. Aliás, tendo assistido apenas cinco dos nove filmes dirigidos por ele, creio que não possa fazer um comentário tão incisivo como o da minha antagonista de duas fileiras atrás. Diga-se de passagem, acho que ela ficaria indignada se soubesse que vi Pulp Ficcion, Jakie Brown, Kill Bill (volumes I e II), mas não Bastardos inglórios: ― Como assim??? E o Brad Pitt???

Ocorre que a provável pequeno-burguesa não deve ter passado, como eu, as tardes suburbanas de sábado assistindo ao faroeste da telinha, ou sessão bang-bang. Ela também não deve saber que inevitavelmente as obras dialogam entre si, desenvolvendo estilos e afirmando tendências, e que por trás de todas elas há um discurso ideológico. Se soubesse, teria percebido que o protagonista do filme de Tarantino não tinha os olhos verdes de John Wayne e que sua saga não se passava no Velho Oeste, onde sua nobre missão era dizimar as nações indígenas, docemente chamadas de selvagens, ou peles vermelhas. Por falar em pele, Django é negro, escravo e torna-se “o gatilho mais rápido do sul”, região dos EUA que pode ser facilmente classificada como uma das mais racistas do planeta. Aliás, o deboche que o filme faz com a Ku Klux Klan é simplesmente hilário (hein?!). Pois é, no filme de Tarantino, os rótulos se invertem e os antigos mocinhos do cinema são desmascarados como os grandes vilões da história. Ao final, Django cavalga com sua amada não para o por do sol como quem espera um novo amanhã, mas sim para a noite sombria que era o que ainda esperava pelos negros mesmo depois da abolição.

Pois bem, a pergunta que não quer calar é a seguinte: por que Django Livre seria o pior filme de Quentin Tarantino? Talvez falte um pouco mais de conhecimento da história  estadunidense e da sua cultura belicista, nascida de ícones como John Wayne e revivida diariamente com os atuais serial killers. Talvez, para quem leu que Leonardo Di Caprio estaria no elenco, ao ver que o negrão Jamie Foxx roubou a cena, deve ter pensado assim: ― Ai, nada a ver!!! Pois é aí que mora o dilema daquela estridente voz: ou faltou conhecimento ou sobrou preconceito. Ao fim, ao cabo, palmas para o Tarantino e para a jovem do cinema que fique a lição de um ditado popular bem suburbano: “Quem não tem o que falar assovia”!!! Ou assobia, tanto faz!

Márcio Hilário
22/02/13