Uma típica cena suburbana desenhada por Jano.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Quem não tem o que falar assovia!





Finalmente assisti ao novo filme de Quentin Tarantino e achei o máximo – que me perdoe o Spike Lee! Resolvi escrever sobre Django livre porque a voz da imbecilidade continua ecoando na minha mente: “É o pior filme dele!”, disse uma jovem com síndrome de crítica-cinematográfica-hiperbólico-metonímica, que, infelizmente, estava dentro da minha área de cobertura. Tá bom! Eu também não sou nenhum cinéfilo nem muito menos um especialista na obra tarantina. Aliás, tendo assistido apenas cinco dos nove filmes dirigidos por ele, creio que não possa fazer um comentário tão incisivo como o da minha antagonista de duas fileiras atrás. Diga-se de passagem, acho que ela ficaria indignada se soubesse que vi Pulp Ficcion, Jakie Brown, Kill Bill (volumes I e II), mas não Bastardos inglórios: ― Como assim??? E o Brad Pitt???

Ocorre que a provável pequeno-burguesa não deve ter passado, como eu, as tardes suburbanas de sábado assistindo ao faroeste da telinha, ou sessão bang-bang. Ela também não deve saber que inevitavelmente as obras dialogam entre si, desenvolvendo estilos e afirmando tendências, e que por trás de todas elas há um discurso ideológico. Se soubesse, teria percebido que o protagonista do filme de Tarantino não tinha os olhos verdes de John Wayne e que sua saga não se passava no Velho Oeste, onde sua nobre missão era dizimar as nações indígenas, docemente chamadas de selvagens, ou peles vermelhas. Por falar em pele, Django é negro, escravo e torna-se “o gatilho mais rápido do sul”, região dos EUA que pode ser facilmente classificada como uma das mais racistas do planeta. Aliás, o deboche que o filme faz com a Ku Klux Klan é simplesmente hilário (hein?!). Pois é, no filme de Tarantino, os rótulos se invertem e os antigos mocinhos do cinema são desmascarados como os grandes vilões da história. Ao final, Django cavalga com sua amada não para o por do sol como quem espera um novo amanhã, mas sim para a noite sombria que era o que ainda esperava pelos negros mesmo depois da abolição.

Pois bem, a pergunta que não quer calar é a seguinte: por que Django Livre seria o pior filme de Quentin Tarantino? Talvez falte um pouco mais de conhecimento da história  estadunidense e da sua cultura belicista, nascida de ícones como John Wayne e revivida diariamente com os atuais serial killers. Talvez, para quem leu que Leonardo Di Caprio estaria no elenco, ao ver que o negrão Jamie Foxx roubou a cena, deve ter pensado assim: ― Ai, nada a ver!!! Pois é aí que mora o dilema daquela estridente voz: ou faltou conhecimento ou sobrou preconceito. Ao fim, ao cabo, palmas para o Tarantino e para a jovem do cinema que fique a lição de um ditado popular bem suburbano: “Quem não tem o que falar assovia”!!! Ou assobia, tanto faz!

Márcio Hilário
22/02/13


6 comentários:

  1. Acredito que ''Django livre'' talvez seja o 'Tarantino' menos 'Tarantino' mas não deixa de ser mais um.
    Eu assisti a todos os filmes dirigidos pelo Quentin, diga-se de passagem todos inspirados pelo cinema 'b', e talvez concordo com a menina que estava sentada próxima a você. ''À Prova de morte'' e ''Django'' são os de menor qualidade dos 9 (mais ''Grande Hotel'', em que Tarantino é um dos 4 diretores) mas isso não quer dizer que são filmes ruins, pelo contrário, são filmes muito bons.
    Forte abraço, Hilário !

    ResponderExcluir
  2. Caro Nelson, obrigado pelo comentário e pela participação no meu blogue. Só gostaria que você apresentasse pelo menos um argumento na defesa do seu ponto de vista ao invés de uma simples adjetivação, que, ao fim ao cabo, foi o que a jovem personagem da minha crônica fez, restringindo a análise ao campo do gosto pessoal. Eu particularmente não saberia comparar os que vi até porque pertencem a espaços e universos absolutamente singulares e fechados em si. No entanto, do ponto de vista ideológico, ou melhor, contra-ideológico, na medida em que desconstrói dos discursos de poder da sociedade, "Django livre" estaria entre os melhores.
    De qualquer modo, mais uma vez, obrigado pela participação!!! Grande abraço!!!

    ResponderExcluir
  3. Alimentando o conceito 8 ou 80 de Django Livre, achei essa a melhor película do Tarantino. E digo isso pelo seguinte: a filmografia do diretor era total baseada no virtuosismo estético, apresentando ambientes e situações surreais, diálogos malandros e personagens carismáticos, porém rasos em sua maioria. Quer dizer: Tarantino tornava seus filmes "cool", descolados ao extremo, apresentando trilhas-sonoras das mais variadas (de Chuck Berry a Pop Rock japonês) e alimentando seu rótulo de "Diretor Adolescente". Já em "Bastardos Inglórios", mesmo mantendo as características de seu cinema, ele preencheu o filme com um tom mais sério. Mas em "Django Livre" acrescentou um ingrediente a mais à sua fórmula: debate sócio-político sobre o racismo contra os negros. É incrível ver como o filme apresenta toda a hipocrisia de uma sociedade cujo preceito principal da carta de independencia era a liberdade. É fantástico mostrar que todos os abusos do branco escravocrata não passaram despercebidos. E é sensacional ver como um personagem branco e europeu de nome King - lembra alguém na história americana? - liberta o negro e o ensina a se defender. Fora as sutilezas do Tarantino, como por exemplo as roupas dos três personagens brancos mais fortes da trama: o escravocrata líder do grupo racista; o Leonardo diCaprio, ou Candie; e o próprio doutor Schultz, parceiro e mentor de Django. O primeiro se veste todo de branco, sinalizando sua postura racista, que adota o pensamento de superioridade da 'raça' branca; o segundo, se veste todo de vermelho e sua manção sempre aparece com tons bem quentes, sinalizando diCaprio como o diabo - e lembre-se do olhar de diCaprio na cena em que ele pede o aperto de mão - e sua Candieland como o inferno, onde negros são torturados de maneira vil; mas o mais sensacional é o Dr. Schultz: ele veste cinza, a mistura entre branco e preto, sinalizando sua total tolerância com uma pessoa de outra cor. E esses aspectos de vestuário podem parecer bobagem, mas fazem, sim, parte da construção subjetiva - por mais contraditório que os dois termos podem ser um com o outro - da história.

    Por essas e outras, "Django Livre" sobreviverá ao tempo. Diferentemente da maioria de seus adversário na categoria Melhor Filme desse Oscar.

    ResponderExcluir
  4. Desde 'Cães de aluguel' Tarantino ficou marcado pelos excessos. Até então isso nunca tinha o atrapalhado mas em 'Django' os excessos atrapalharam o bom desenrolar da história. O filme é brilhante no primeiro ato, mas cai muito no segundo e terceiro, o roteiro se mostra exageradamente prolixo, demora pra chegar no destino desejado e cria até um cansaço pra gente que acompanha a história.
    O humor sempre característico dos seus filmes dessa vez foi usado com exageros desnecessário, tornando algumas cenas até constrangedoras pra mim. Enfim, me deu a impressão de que o Tarantino se divertiu mais com o filme do que a gente, o que na minha visão é um grande erro.
    'Django' tem muitas coisas positivas, é um grande filme, é um Tarantino e isso já basta pra ser um grande filme mas quando disse que concordo com a menina quero dizer que de todos os seus filmes acho que esse foi o que ele mais errou na mão.

    Obs: Injusto o Dicaprio ser pouco lembrado, na minha visão esteve melhor até que o Waltz (vencedor do Oscar). E o protagonista (Jamie Fox)foi ofusco pelos coadjuvantes, marca das obras do Tarantino.

    Grande abraço, Hilário !

    ResponderExcluir
  5. Maurício e Nelsinho, muito obrigado pela colaboração dos dois. Em tempos de discussões vazias e comunicações em pílulas de 180 caracteres, sinto-me honrado com a profundidade do debate e pelo tanto de palavras que vocês usaram para isso. Continuo achando que "Django livre" está entre os melhores e, ao ler os comentários daqueles que leram meu texto, percebo que é um filme que se dá muito e em diversas formas para as pessoas: marcas de uma grande obra ao meu ver. Mas, enfim, como diria o Riobaldo, de "Grande sertões: veredas", "pão ou pães, é questão de opiniães".

    PS: Prefiro ainda acreditar que a minha personagem não seria capaz de defender sua tese!!! rsrsrs...

    ResponderExcluir