Detesto autoajuda.
Mas não é que não goste ou que tenha algum enfado apenas, não suporto, tenho
verdadeira ojeriza, asco, nojo... vomitei! E explico o porquê, meu amigo
leitor, só para você parar com essa cara de que detesta textos escatológicos:
considero insuportavelmente equivocada e traiçoeiramente nefasta a ideia de
querer responsabilizar única e exclusivamente o indivíduo pela situação adversa
ou inversa na qual ele se encontre. É claro que um pensamento negativo não ajuda
em nada, mas, na prática pura e simples do mundo real e concreto, ele gera o
mesmo resultado de qualquer outro tipo de pensamento: nenhum. O pensamento é
apenas uma fabulação abstrata, que pode até motivar transformações, mas, para
que elas ocorram, ele precisa se transformar em ações.
Deixe-me
explicar o motivo dessa minha nova questão para que você não pense que eu
esteja sofrendo de algum tipo de reação adversa após a leitura acidental de um
texto do Mago Coelho. No último mês, passei pela experiência de, após uma
cirurgia no joelho direito, ter de reaprender a andar depois dos trinta anos. Calma!
Não se trata aqui de uma história de superação, pois assim cairíamos na
armadilha da promoção da autoajuda, mas certamente tem a ver com uma nova
perspectivação da realidade. Obviamente, não quero dizer que passei a dar mais
valor às pequenas coisas porque as perdi temporariamente. Acho isso tão lamentável
e escroto quanto aquela prática de levar crianças ricas para conhecerem
orfanatos a fim de, com isso, elas passarem a dar mais valor à família e ao que têm
em casa. Ou seja, você vê a dor do outro e dá graças a Deus por não ter de
senti-la. Uma aula de solidariedade burguesa! Não é isso! Desse caminho eu
estou fora! Mas quero retomar minha linha de raciocínio considerando duas dimensões
sobre essa questão.
A primeira delas
é o aspecto individual sim e alguns poderão até confundir com autoajuda, embora
eu negue isso até o último dos meus dias. Ocorre que observando a progressão
dos fatos recentes pelos quais passei e os objetos com que precisei contar e
com os quais convivi, como cama, cadeira de rodas e muletas, entendi que nossas
maiores necessidades são altamente mutáveis a cada dia e que cada etapa ganha e
perde seu valor. Machado de Assis falou sobre isso no conto “O espelho”, quando
disse que a alma exterior do ser humano, ou seja, aquilo que o completa
existencialmente, muda de forma e muda de figura constantemente. Por isso,
quando eu era criança, achava que um brinquedo era muito mais legal do que acho
hoje, assim como há alguns dias atrás ter conseguido ir ao banheiro sozinho foi
muito mais incrível do que é agora. Aliás, as barras de apoio no vaso e no chuveiro
já estão quase voltando a ser invisíveis de novo.
É aí que entra a
segunda dimensão do que eu aprendi: a invisibilidade. Percebi que deficiente mesmo
é o modo como a sociedade enxerga o deficiente. Desculpe o uso do termo
politicamente incorreto, mas precisei dele para criar o trocadilho! Como
portador temporário de uma necessidade especial, não aprendi a dar mais valor à
minha capacidade motora, desenvolvi sim foi uma profunda indignação que se soma
a outras tantas que eu já acumulo e que no fundo têm sempre o mesmo pano de
fundo: a exclusão. Ela é mais do que um princípio, é um valor cultivado,
disseminado e perpetuado em nossa sociedade. Se o mundo fosse pensado numa
perspectiva inclusiva, ele seria acessível para todos. Todos! Seus corredores seriam
largos, suas portas seriam mais amplas, seu chão seria menos irregular e
teríamos rampas menos íngremes e mais elevadores. No entanto, como os
arquitetos do mundo se consideram os eficientes, todos os caminhos continuarão
estreitos e suas portas permanecerão fechadas.
Enfim, o que
verdadeiramente importa na vida de alguém não é o pensamento positivo, mas o
pensamento coletivo. Quem tem de mudar de atitude diante da vida não é o
chamado deficiente, mas o que se acha eficiente. O que de fato precisamos, meu
caro Coelho, é de menos autoajuda e de mais cidadania.
Márcio Hilário
25-04-2013