“Sempre
assisto à Rede Globo
Com uma
arma na mão.
Se aparece
o Francisco Cuoco,
Adeus
televisão”
(“Psicopata”,
Capital Inicial)
Mais um final de
férias e tudo parece estar chegando ao fim... mas só parece, porque nada
realmente começa com caráter oficial no Brasil antes do carnaval. Por isso
mesmo é que as pessoas nem recolheram todas as coisas da geladeira da casa de
praia, pois, como já cantaram Tom e Chico, “vou voltar, sei que ainda vou
voltar”. Final de verdade só o da ficção: a novela − manifestação artística
preferida do brasileiro, que se especializou em tomar conta da vida alheia –
parece estar chegando ao fim... mas só parece, porque nenhuma novela realmente
termina com caráter oficial no Brasil nem antes nem depois do carnaval.
Bisneta dos
folhetins do século XIX, a novela passou pelas mídias impressas sem e com foto,
vagueou nas ondas do rádio e finalmente desembarcou na televisão. Este meio de
comunicação, que chegou ao Brasil nos anos 50, foi progressivamente ocupando um
espaço absurdamente imenso na vida da população, principalmente na daquela que
vive nos subúrbios, onde as biroscas com mesas de sinuca, carteado e maquininhas
de caça-níquel são os únicos sinônimos de convivência e diversão. Claro que,
por entre as quadras e lotes do lugar, também há espaço para os batuques, os incensos,
os gritos, as palmas e os louvores na disputa pelo coração dos homens. Porém,
tudo isso para quando começa a novela.
Um famoso crítico
literário brasileiro já dizia que o romance serve para entreter, educar e
refletir. Leia-se com mais cuidado: ser uma válvula de escape da realidade e um
bom passatempo; formar nos valores morais das classes dominantes da sociedade;
e fazer uma profunda reflexão existencial sobre as contradições da alma humana.
O crítico ainda assinala que, embora a última função listada seja a mais
profundamente importante para o nosso crescimento como indivíduos, é a última a
ser praticada com mais empenho pelos escritores. A mim parece que a primeira é
a mais inocente, mas, combinada com a perversidade da segunda, pode ser bem
traiçoeira.
É justamente por
isso que não vejo com nenhuma inocência a conversão de um personagem que
cometeu toda a sorte de crimes e perversidades no decorrer da trama. Em poucos
capítulos, o vilão tornou-se o queridinho do Brasil. Aliás, a palavra “vilão” −
que designava os moradores das vilas, das periferias − já nos diz muito sobre a
longa história da criminalização da pobreza. Enfim, todos afinal têm direito ao
perdão... sim... desde que sejam brancos das elites urbanas do nosso país.
Fossem eles os mesmos negros e mulatos – esta palavra deriva de “mula”, tá?! –
que figuram nos mais diversos programas policiais da tevê deveriam ser todos
condenados à morte antes mesmo do nascimento. É a mais contundente prova de que
vida e arte realmente se confundem e que o direito ao perdão é uma questão de
tom... claro!
Márcio Hilário
28-01-2013