Se eu tô
alegre
Eu ponho
os óculos e vejo tudo bem
Mas se eu
tô triste eu tiro os óculos
Eu não
vejo ninguém
(Herbert
Vianna)
Em algum momento
já escrevi que textos datados me irritam profundamente, pois, afinal, datas são
meras convenções. Não se precisa esperar o dia certo para começar ou terminar
algo: seja manhã, tarde ou noite, o primeiro ou último dia da semana, do mês ou
do ano, o tempo passa indiferente às convenções humanas. Os segundos, por
exemplo, passariam mesmo se fossem chamados de terceiros. Até aí, tudo bem,
esse raciocínio só provaria que sou uma pessoa consciente e avessa a ritos de
passagem. Mentira! Nem eu nem meu texto podemos escapar às tais batidas na
porta da frente. Ele não tem pra onde correr, porque, se o fizesse, deixaria de
ser crônica; eu não tenho pra onde correr, porque em janeiro estou de férias e,
sendo assim, inevitavelmente, minha rotina muda depois de pular sete ondinhas.
Quando se é
menino e a saúde transborda pelos poros, espera-se pelas férias como quem
deseja um período de anistia, sem leis, no qual as regras podem ser todas
subvertidas – mais ou menos o que os adultos querem do carnaval. Longe de casa
e dos pais, agregado a uma outra família, seja de parentes ou não, o pequeno
pimpolho pode fazer tudo o que é proibido durante o ano. Volta depois carregado
de hábitos estranhos, alergias, doenças respiratórias e anticorpos. Feliz,
diga-se de passagem! Quando se é adulto e não se tem possibilidade de viajar
atrás de anticorpos nacionais e importados, o sujeito de férias procura as doenças
na própria carcaça. Como? Marcando exames!!!
Foi numa dessas
que na semana passada estive em um punhado de consultórios médicos com a esperança
de que me dissessem que, apesar de uma vida desregrada e irresponsável, teria
direito a mais algumas dezenas de “continue” para ir tocando em frente. Coração?
Ok! Ossos? Ok! Respiração? Cof, cof, Ok! Fígado? Deixa pro ano que vem! Enfim,
tudo dentro dos meus conformes! Faltava apenas dar um confere na visão e mandar
fazer os novos óculos. Foi, então, na última consulta que me aconteceu o
inesperado: contrariando a todas as minhas expectativas, simplesmente e sem
pedir licença, a Oftalmologista disse assim, na lata: “Você não precisa mais
usar óculos”. (Pausa reflexiva...)
Como assim?
Pasmei. Que golpe! Não é possível que, depois de quase vinte anos forjando essa
cara de pseudointelectual, alguém tenha coragem de olhar para a minha cara –
agora só com dois olhos – e dizer com toda a naturalidade que acabou, que eu
tenho de me contentar só com os dois que Deus me deu e pronto! Então agora
estou condenado a não poder dar mais desculpas, a não poder mais fingir que não
vi, passar direto, pular uma linha, comer uma sílaba, errar uma conta, digitar
o número errado...??? Meu Deus!!! Ver com os olhos livres, como queria Oswald de
Andrade, é, enfim, uma grande prisão. Estou condenado a enxergar tudo!!! E o
pior é que em 2014 teremos eleições. Medo!!!
Márcio Hilário
14-01-2014
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